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As subvenções de investimento e a recente decisão do STJ no REsp 1968755/PR




Por Guilherme Dolabella


A Lei Complementar nº 160, de 07 de agosto de 2017, regulamentou os convênios de ICMS relativos a isenções, incentivos e benefícios fiscais, previstos no art. 155, inc. XII, alínea “g” da Constituição da República de 1988, de forma a mitigar a guerra fiscal existente entre Estados, já condenada pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito das ações diretas de inconstitucionalidade – ADI nº 2906, 2376, 3674, 3413, 4457, 3794, 2688, 1247, 3702, 4152 3664 e 3803.[1]

            Mas é interessante notar que a Lei Complementar nº 160/2017 trouxe em seus artigos 9º e 10 uma previsão que não está diretamente afeiçoada ao cumprimento da competência legislativa da União descrita no art. 15, inc. XII, alínea “g” da Constituição de 1988. Nesses dispositivos, o legislador federal estabeleceu que os benefícios fiscais de ICMS concedidos pelos Estados são qualificados como subvenções para investimento e expressamente afastou outros condicionantes para essa definição conceitual. Adicionalmente, estipulou que essa definição seria aplicável ainda que os Estados os tenham concedido em descumprimento à exigência de convênio pela Constituição da República.

            Tal previsão normativa foi objeto de veto por parte do Presidente da República, que, em sua mensagem endereçada ao Congresso Nacional, suscitou violação ao regime fixado pela Emenda Constitucional nº 95/2016, que instituiu o denominado “Novo Regime Fiscal”, além de propiciar impacto arrecadatório à União.

            Mas, ao ser apreciado o veto pelo Congresso Nacional, conforme prerrogativa definida no art. 57, inc. IV da Constituição da República, o legislador federal deliberou por superar os obstáculos normativos e políticos suscitados e manteve a redação dos arts. 9º e 10 da Lei Complementar nº 160/2017.

            De início, é imperioso consignar que a preocupação arrecadatória do Poder Executivo federal era justificável, pois, ao qualificar o montante correspondente às isenções, benefícios fiscais e incentivos concedidos pelos Estados como subvenção para investimento, haveria impacto direto na apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, uma vez que esses valores não são considerados como elemento para apuração do crédito tributário correspondente devido pelas empresas.

            De fato, o art. 30 da Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014, alterado pela LC nº 160/2017, expressamente define que as subvenções para investimento não são computadas para fins de determinação do lucro real, desde que: i) os montantes respectivos sejam levados à conta de reserva de lucros definida no art. 195-A da Lei de Sociedades Anônimas – Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 – “Reserva de Incentivos Fiscais”; ii) tais valores sejam supervenientemente utilizados para absorção de prejuízos ou aumento do capital social.

            Ocorre que, se a LC nº 160/2017 expressamente qualifica os benefícios fiscais concedidos pelos Estados, circunstância inexistente anteriormente, abre-se margem interpretativa para a aplicação retroativa dessa interpretação legislativa e, por conseguinte, a postulação pelos contribuintes de repetição de indébito, nos termos do art. 165 do Código Tributário Nacional, ou a compensação, conforme definido no art. 170 do CTN, desde que, observado o prazo prescricional quinquenal para a restituição do indébito definido no art. 168 desse mesmo diploma.

            Diante desse cenário, a Receita Federal do Brasil aprovou a Solução de Consulta COSIT nº 145, de 15 de dezembro de 2020[2], por meio do qual indicou que a qualificação dos benefícios fiscais de ICMS como subvenção de investimento dependeria da comprovação pelo contribuinte da finalidade do benefício e sua compatibilização com a exigência legal de estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Essa interpretação foi ratificada pela Solução COSIT nº 201, de 14 de dezembro de 2021[3].

            Na prática, essa intepretação administrativa ensejou a obrigação do contribuinte em demonstrar a teleologia da norma exonerativa associada à efetiva aplicação do montante correspondente às isenções, incentivos e benefícios fiscais para a implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Essa exigência exige o acesso do contribuinte ao próprio planejamento fiscal e às premissas da política tributária do Estado à época, viabilizando a demonstração do desiderato da norma tributária, mas sem maiores considerações sobre a efetiva atuação do empresário em prol do desenvolvimento da atividade econômica (seja ela nova ou a ampliação de atividade já existente).

            Todavia, ainda que se perquirisse tal propósito governamental, o acesso a tais informações tem sido negado pelas Administrações Tributárias estaduais sob o argumento de sigilo fiscal, invocando impropriamente o art. 198, caput do Código Tributário Nacional, a despeito da expressa previsão do parágrafo 3º, inc. IV, deste mesmo dispositivo.

            Ocorre que, no âmbito do Recurso Especial nº 1.968.755/PR, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça reavivou essa discussão acerca da aplicação dos arts. 9º e 10 da LC nº 160/2017. De fato, essa questão não era o objeto do recurso excepcional, pois o demandante pretendia a aplicação da interpretação firmada no EREsp nº 1.517.492/PR, restrita à concessão de crédito presumido, para a hipótese específica e debatida no caso concreto de isenção, o que fora rechaçado pela Segunda Turma. Mas, de forma até surpreendente, a Segunda Turma indicou que, a despeito da inaplicabilidade da tese restritiva relativa à não incidência de IRPJ e CSLL sobre créditos presumidos de ICMS, os benefícios fiscais concedidos pelo Estado do Paraná por meio da Lei nº 14.978/2005 se caracterizariam como subvenções para investimento, ensejando a devolução da matéria ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região para apreciação.

            Não obstante, a referida norma exonerativa paranaense em nada se relaciona a incentivos ou benefícios para implantação ou expansão de atividade econômica, pois a concessão de isenção de ICMS no caso concreto detinha a finalidade de reduzir a carga tributária desse imposto sobre o consumo de itens da cesta básica.[4]

            Assim, se a Segunda Turma efetivamente anteviu a possibilidade de caracterização desse benefício fiscal como subvenção para investimento, haveria a superação da interpretação administrativa divulgada pela Receita Federal do Brasil, propiciando a retomada pelos contribuintes em todo o país da pretensão de ressarcimento ou compensação do crédito tributário de IRPJ e CSLL apurado com consideração ao montante dos benefícios de ICMS concedidos pelos Estados.
A lógica é muito simples: se em virtude de benefício fiscal de ICMS, o contribuinte não teve essa despesa tributária, a receita obtida na sua atividade empresarial acobertará um passivo menor, o que propicia um resultado positivo maior. Desta forma, se a base de cálculo para a apuração do regime do lucro real é maior, o valor recolhido aos cofres da União a título de IRPJ e CSLL também o foi. Agora, se o montante relativo aos benefícios fiscais passa a compor a conta de reserva de incentivos fiscais, há uma redução do resultado apurado no regime do lucro real e, por decorrência lógica, a mitigação do crédito tributário a recolher pelos contribuintes à União.

Assim, é importante que se aguarde a manifestação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região acerca da questão atinente à aplicação dos arts. 9º e 10 da LC nº 160/2017 e o retorno ao Superior Tribunal de Justiça para que haja uma sinalização jurisprudencial sobre a interpretação administrativa adotada pela Receita Federal do Brasil.

No futuro próximo, a previsão dos arts. 9º e 10 da LC nº 160/2017 pode vir a se tornar uma grande dor de cabeça ao Fisco federal, fato este já consignado na mensagem de veto a esses dispositivos anteriormente enviada pela Presidência da República e rechaçada pelo Congresso Nacional.

 
Referências:
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.968.755 – PR. DJe: 08/04/2022. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202103426400&dt_publicacao=08/04/2022. Acesso em: 14/06/2021.

 
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[1] O entendimento pacífico e consolidado do Supremo Tribunal Federal acerca da inconstitucionalidade da concessão de benefícios fiscais de ICMS pelos Estados em direta inobservância à exigência de prévia formalização de convênio ensejou, inclusive, a formulação de proposta de súmula vinculante nº 69/2021 (PSV69)

[2] INCENTIVOS FISCAIS. INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS OU FINANCEIROS- FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. REQUISITOS E CONDIÇÕES.
A partir da Lei Complementar no 160, de 2017, os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos por estados e Distrito Federal e considerados subvenções para investimento por força do § 4º do art. 30 da Lei no 12.973, de 2014, poderão deixar de ser computados na determinação do lucro real desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei no 12.973, de 2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
Reforma a Solução de Consulta Cosit nº 11, de 4 de março de 2020.
Dispositivos Legais: Lei no 12.973, de 2014, art. 30; Lei Complementar no 160, de 2017, arts. 9º e 10; Parecer Normativo Cosit no 112, de 1978; IN RFB no 1.700, de 2017, art. 198, §7º

[3] INCENTIVOS FISCAIS. INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS OU FINANCEIRO- FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. LUCRO REAL. EXCLUSÃO. EXISTÊNCIA, REQUISITOS E CONDIÇÕES.
O diferencial de alíquota entre operações internas e interestaduais e suas alterações não têm natureza de incentivo ou benefício fiscal ou financeiro-fiscal do ICMS, mas de mera definição de sistemática constitucional de tributação do referido imposto, não se enquadrando na hipótese prevista no § 4o do art. 30 da Lei no 12.973, de 2014.
A partir do advento da Lei Complementar no 160, de 2017, os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos por estados e Distrito Federal e considerados subvenções para investimento por força do § 4º do art. 30 da Lei no 12.973, de 2014, poderão deixar de ser computados na determinação do lucro real desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei no 12.973, de 2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
INCENTIVOS FISCAIS. INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS OU FINANCEIRO- FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. DESTINAÇÃO PARCIAL PARA DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS.
No caso de apenas uma parcela do valor da subvenção para investimento, registrada como Reserva de Lucro, ser destinada à distribuição de lucro (dividendos obrigatórios), conforme disposto no inciso III, do §2o, do art. 30, da Lei no 12.973, de 2014, a tributação deve recair apenas sobre a parcela com destinação diversa (pagamentos de dividendos), sendo, por conseguinte, somente esta adicionada à base de cálculo do IRPJ.

[4] Para análise da referida Lei nº 14.878/2005, verificar a seguinte página na internet: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=143312. Acesso em 14/06/2022.
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