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Exportamos Riquezas, importamos fome? A geopolítica da soja e os limites do Direito na defesa da soberania alimentar brasileira

  • Foto do escritor: Barreto Dolabella
    Barreto Dolabella
  • há 13 horas
  • 3 min de leitura



Por Samuel Fernandes O Brasil lidera o ranking mundial de exportação de soja. Abastece mercados poderosos — como China, União Europeia e Estados Unidos — enquanto enfrenta insegurança alimentar dentro do próprio território. A guerra tarifária e o aumento da demanda internacional tornaram a soja mais lucrativa para exportação, mas também mais cara para consumo interno. Isso nos obriga a um debate urgente: qual o papel do Direito diante desse cenário? Quando o alimento se torna ativo financeiro, o sistema jurídico consegue garantir o direito à alimentação como manda a Constituição? Ou cede à lógica dos mercados internacionais?


A Constituição Federal de 1988 estabelece, no artigo 6º, o direito à alimentação como um direito social. Complementando esse comando, a Lei nº 11.346/2006 (Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional) cria mecanismos institucionais para garantir esse direito, articulando políticas públicas e participação social.


No entanto, a prática revela um abismo entre norma e realidade. Em 2022, mais de 33 milhões de brasileiros conviviam com a fome — número alarmante para uma potência agrícola. A produção de grãos, especialmente da soja, é majoritariamente voltada à exportação. A destinação das terras e dos incentivos fiscais não prioriza culturas alimentares básicas, como arroz e feijão, que abastecem a mesa do brasileiro comum.


A soja não é apenas um produto agrícola — é uma ferramenta de poder global. A dependência da China por proteína vegetal fortaleceu o papel do Brasil como parceiro estratégico, mas também o tornou vulnerável. Essa relação econômica afeta decisões políticas internas, inclusive ambientais e regulatórias.


Historicamente, o Brasil vem adaptando seu marco jurídico para favorecer a produção de commodities. A política de crédito rural, o regime tributário da exportação (com isenções como o Art. 149, §2º, I da CF) e a ausência de restrições à exportação de alimentos essenciais demonstram que o Direito tem sido instrumento de ampliação da lógica mercantil.


Neste contexto, ressurgem as reflexões de juristas sobre a natureza não neutra do Direito: ele pode tanto proteger quanto ser instrumentalizado para a dominação. O arcabouço normativo, apesar de sólido em teoria, se enfraquece diante de políticas públicas que privilegiam interesses do mercado externo em detrimento da soberania interna.


O conceito de soberania alimentar, ainda pouco desenvolvido na doutrina brasileira, é reconhecido no plano internacional como direito dos povos à produção e consumo de alimentos adequados às suas culturas, produzidos de forma sustentável e acessível. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), do qual o Brasil é signatário, consagra esse direito no artigo 11.


A doutrina de Fábio Konder Comparato já afirmava que os direitos fundamentais devem ter eficácia imediata, especialmente os direitos sociais. No mesmo sentido, Ingo Sarlet aponta que a dignidade da pessoa humana exige políticas públicas efetivas e controle judicial quando houver omissão estatal.


O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a justiciabilidade dos direitos sociais em decisões como a ADPF 347, sobre o sistema carcerário. Esse entendimento deve ser ampliado para o campo da alimentação e soberania produtiva.


Não basta produzir. É preciso garantir o acesso. A soja tornou o Brasil uma potência exportadora, mas isso não se traduziu em segurança alimentar. O sistema jurídico, embora avançado em declarações, tem sido tímido em ações. O Direito precisa afirmar, com mais força, que a dignidade humana está acima da balança comercial.

A luta por soberania alimentar é também uma disputa por interpretações. O Direito deve proteger o povo brasileiro do risco de depender exclusivamente de uma lógica de mercado que transforma comida em cifra e vida em estatística.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Guilherme Costa de. A soberania alimentar como direito fundamental: perspectivas constitucionais e internacionais. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 17, n. 3, p. 37–59, 2020.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 abr. 2025.


KOSKENNIEMI, Martti. O direito e os fins da história: do progresso das ideias à desordem jurídica internacional. Tradução de Marta Lemos. São Paulo: Martins Fontes, 2004.


ONU. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Nova York: Nações Unidas, 1966. Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em: 10 abr. 2025.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.


SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e controle jurisdicional: os direitos sociais e a Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.


COMPARATO, Fábio Konder. Os direitos fundamentais e a Constituição: a construção da democracia no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2016.

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